sexta-feira, 10 de fevereiro de 2017

A tragédia de gerações




“Em face dessa catástrofe nada mais temos a dizer senão, como bons cristãos e católicos, que seja feita a vontade de Deus!
(Gazeta Esportiva Ilustrada/1950)


“Foi pena o Brasil perder!"

(Jules Rimet, pressidente da FIFA em 1950)


O Brasil era um país de 52 milhões de habitantes em 1950, de acordo com números do IBGE. Hoje são mais de 200 milhões e, a maioria, gostando ou não de futebol, certamente já ouviu falar que a seleção brasileira perdeu a Copa do Mundo de  50 em pleno Maracanã. O enredo é conhecido: o time nacional era favorito, goleava os adversários, mas foi surpreendido pelo “azarão” Uruguai.
A derrota da seleção brasileira na Copa de 50, que ficou conhecida como "Macaranazo", não é uma tragédia que marcou apenas uma geração de jogadores ou de torcedores. A proporção da história foi aumentando pelas décadas seguintes. O pai que viveu aquela época contou a história para o filho. O filho também contou para a geração seguinte e assim sucessivamente. O jornalista Paulo Perdigão em “Anatomia de uma derrota” faz uma análise ponderada:


“É verdade que Ghiggia mirou com cuidado o gol de Barbosa. É verdade que, no momento exato, ele chutou. É verdade que Barbosa foi vencido. É verdade que, num simples instante inesperado Ghiggia, como um ladrão da tarde, roubou para sempre o nosso triunfo. Mas também é verdade que Ghiggia errou o alvo: o gol que nos derrotou não acabou com a vida brasileira, nem decretou a morte do futebol brasileiro. A lição foi aprendida e nunca esquecida. Como diz Flávio Costa, nessa hora começávamos a nascer como grande expressão do futebol mundial. 58, 62 e 70 são consequências de 50. E assim é que o Dia da Derrota terminou, mas sua lenda ainda ilumina as pessoas que ele alcançou e continua a alcançar.”


O livro de Paulo Perdigão é dos anos 80. A seleção ainda conquistaria as Copas de 1994 e de 2002. A derrota em 50 foi tão marcante que as pessoas mais vividas sempre gostaram de dizer que estiveram no Maracanã no dia 16 de julho de 1950. Dizer que viu in loco, sendo verdade ou não, parece um diferencial: “sou uma testemunha da tragédia”. Já os  jogadores que fizeram parte daquela seleção passaram a vida justificando a derrota.



O LANCE FATAL



Alcides Ghiggia era ligeiro. Fugia da marcação como ninguém. Com passos largos, o aguerrido jogador uruguaio desferiu um chute com a perna direita.
O alvo: o gol de Barbosa. Antes do lance fatal, a torcida no Maracanã já estava calada. O empate tinha vindo por outros pés, os de Schiaffino.
O gol que igualou o placar deixou os torcedores atônitos. A tragédia estava se desenrolando.
O ligeiro Gigghia deixou Juvenal para trás. O jogador brasileiro perdeu a corrida. Os fotógrafos postados atrás do gol de Barbosa tentavam ajustar o foco das máquinas.
Mas a rapidez de Gigghia dificultava o trabalho deles. Era difícil mirar as lentes na rápida jogada. Gigghia, por sua vez, tentou mirar o gol. E errou o chute!
Mas aquelas traves que um dia virariam cinzas em um churrasco de funcionários da SUDERJ eram grandes demais para serem completamente guarnecidas por Barbosa.
O jogador uruguaio contou com a sorte. O chute, mascado, fez com que a bola entrasse rasteira entre Barbosa e o canto esquerdo do goleiro.
Ele tentou voltar para a esquerda mas não conseguiu, foi pego no contrapé. O Maracanã que já estava mudo ficou calado.
Apenas o barulho da bola rolando pelas redes escuras do Maracanã e o grito dos uruguaios eram ouvidos pelo "monstro de concreto": 2 a 1. A Copa estava perdida.

O lance fatal: o chute de Ghiggia dá a vitória ao Uruguai


O Brasil e o mundo em 1950


O mundo tinha saído da Segunda Guerra (1939-1945) e a Europa, principalmente, estava devastada. Brasil e Alemanha pleiteavam a organização da Copa de 1942. Mas, com o conflito, não havia qualquer possibilidade de realização dos mundiais de 42 e 46. Com a expulsão da Alemanha da Fifa, restou o Brasil. A Copa de 1950 seria importante para firmar a posição do país no contexto internacional. Era a união nacional por meio do esporte, mais precisamente do esporte das massas, o futebol, introduzido no país pelo jovem Charles Miller em 1894. O café ainda era o principal produto de exportação, mas a guerra impulsionou a capacidade da indústria.

A copa de 1950 foi a primeira em que os jogadores receberam números nas camisas e a última em que o Brasil jogou de branco

O "Portentoso"

Um dia depois de Ademar de Barros lançar a candidatura de Getúlio Vargas à presidência da República, em um comício ao lado do monumento do Ipiranga, em São Paulo, era inaugurado o Maracanã, em 16 de junho de 1950. Um dia de festa, um contraste com o silêncio de um mês depois provocado pela derrota da seleção brasileira! As autoridades compareceram em peso à inauguração do “Portentoso” ou do “Monstro de Concreto”. O Maracanã seria o orgulho do Brasil. O tamanho do estádio, com capacidade para 200.000 pessoas, corresponderia ao tamanho que o Brasil queria ocupar no mundo do pós-guerra.


1950 era ano de eleição. Getúlio Vargas foi eleito pelo voto direto e retornou ao poder no ano seguinte, agora nos braços do povo. Já o então presidente da República, Eurico Gaspar Dutra, não poderia perder a festa de inauguração do Maracanã. O prefeito do Distrito Federal, o general Ângelo Mendes de Morais, estava orgulhoso. Ele se engajou com todo o fervor pela construção do Maracanã e foi alvo de inúmeros ataques. O jornalista e futuro governador do antigo Estado da Guanabara, Carlos Lacerda, era contra a obra. Ele dirigia o jornal A Tribuna da Imprensa e tinha como inimigo o prefeito do Rio. Aliás, Mendes de Morais ganhou um busto na entrada do estádio que seria destruído pelos torcedores em fúria depois da derrota da seleção. O jornal A Tribuna da Imprensa diria: “a cabeça do general Mendes de Morais recorda aquele misto de vaidade e ridículo que imortalizou Mussolini”. Após muita discussão sobre a necessidade de um estádio do tamanho do Maracanã, a obra foi autorizada. O jornalista Mário Filho, irmão de Nelson Rodrigues, que trabalhava no Jornal dos Sports, fez uma grande campanha em favor da praça esportiva. As obras para a Copa estavam atrasadas. O dirigente italiano Otorino Barassi, ligado à Fifa, veio às pressas ao Brasil semanas antes do início da competição para fiscalizar os trabalhos. Mesmo assim, o Maracanã foi construído em tempo recorde: menos de dois anos.

Já na abertura da Copa, além do presidente e do prefeito, estavam presentes Canrobert Pereira da Costa (Ministro da Guerra), Honório Monteiro (Ministro do Trabalho) e Clemente Mariani (Ministro da Educação e Saúde).




O Brasil respirava o clima de Copa e os Correios lançaram selos comemorativos do mundial:



O rádio e a Copa de 1950

Vimos que a primeira Copa transmitida pelo rádio para o Brasil foi a de 1938 na voz de Gagliano Neto. Já em 1950, com a Copa no país, as rádios e os jornais fizeram uma ampla cobertura. A principal emissora do país era a Rádio Nacional do Rio de Janeiro. Abaixo, o cartaz que anunciava as transmissões.



Os narradores da Rádio Nacional eram Antônio Cordeiro e Jorge Curi. Eu convido você a ouvir a íntegra dos jogos do Brasil. Como apaixonado por futebol e pelo rádio, eu passei dezesseis anos tentando encontrar os áudios dessas partidas. Finalmente, em 2016, consegui reunir os seis jogos em uma página especial que fiz para a Jovem Pan. Você vai perceber que cada locutor narra um ataque em um mesmo jogo.

Ainda no Rio de Janeiro, Luiz Mendes transmitiu as partidas pela Rádio Globo:



Ainda temos de mencionar o nome de Raul Longras, da Rádio Guanabara.



Mas é claro que emissoras do país inteiro transmitiram os jogos da Copa de 1950. Em 2016, fiz uma série especial para a Jovem Pan sobre os 65 anos do mundial. Você pode ouvir aqui o capítulo final que traz as narrações de Pedro Luiz, um dos maiores nomes da história do rádio esportivo no Brasil. Naquele ano, ele empunhava os microfones da Panamericana, a "Emissora dos Esportes", atual Jovem Pan. Pela Bandeirantes, Edson Leite, outro grande ícone do rádio esportivo, fez as transmissões. Ouça aqui um trecho do duelo decisivo entre Brasil e Uruguai.


O dia dia da Copa de 1950


Ainda como consequências da guerra, a Fifa não conseguiu 16 seleções para compor os grupos. Muitas desistiram no meio do caminho e deram alegações estapafúrdias. A França, por exemplo, justificou que teria de fazer longos deslocamentos dentro do Brasil. A equipe francesa iria compor o grupo do Uruguai. No total, 13 seleções participaram da Copa, mesmo número do mundial de 30. A Itália, bicampeã mundial, veio ao Brasil, mas ainda estava abalada pelo acidente aéreo de um ano antes que vitimou a grande equipe do Torino, base do selecionado nacional. Já a Inglaterra finalmente estreou em Copas do Mundo. Em relação ao regulamento, pela primeira vez na história não haveria uma final propriamente dita. As equipes foram divididas, de forma desigual, em quatro grupos. O vencedor de cada chave estaria no quadrangular final. O time que somasse mais pontos levaria a taça.

Grupo 1 - Brasil, México, Suíça e Iugoslávia
Grupo 2 - Inglaterra, Chile, Espanha e Estados Unidos
Grupo 3 - Suécia, Itália e Paraguai
Grupo 4 - Uruguai e Bolívia
Fase final: Brasil, Suécia, Espanha e Uruguai.


A Copa do Mundo de 1950 teve partidas em seis estádios. Apenas dois foram construídos para Copa: o Maracanã, no Rio, e o Independência, em Belo Horizonte. O Pacaembu, em São Paulo, inaugurado em 27 de abril de 1940, foi palco de seis partidas. O estádio dos Eucaliptos, em Porto Alegre, Durival Britto, em Curitiba e a Ilha do Retiro, em Recife, completaram as sedes.

Celeiro de craques

Uma grande expectativa cercava a seleção brasileira que era comandada pelo técnico do Vasco, Flávio Costa. O treinador tinha fama de disciplinador. A base da equipe também era o time carioca. O time contava com grandes jogadores. O centroavante era Ademir Menezes, o "Queixada", artilheiro da Copa com 9 gols. Além dele, a seleção tinha Jair Rosa Pinto que anos mais tarde fez sucesso ao lado de Pelé, no Santos. Mas, talvez o maior astro daquele tenha sido Zizinho, o "Mestre Ziza", craque de primeira grandeza do futebol brasileiro, destaque do Bangu, do Flamengo e do São Paulo. O goleiro Barbosa era considerado uma muralha, mas foi crucificado depois da derrota para o Uruguai.

24 de junho (sábado)

Brasil e México abriram a Copa do Mundo, no Maracanã, inaugurado oito dias antes.


A imprensa trazia as fotos dos craques brasileiros nas capas dos jornais: 




BRASIL 4x0 MÉXICO
Brasil: Barbosa; Augusto, Juvenal; Eli, Danilo, Bigode; Maneca, Ademir, Baltazar, Jair, Friaça.
México: Carbajal; Zetter, Montemayor; Ruiz, Uchoa, Roca; Septien, Ortiz, Casarin, Perez, Velasquez.
Local: Maracanã (Rio de Janeiro)
Árbitro: George Reader (Inglaterra)
Gols: Ademir 32 do 1º tempo; Jair 11, Baltazar 17, Ademir 36 do 2º.
Pagantes: 82.000



A seleção goleou o México, 4 a 0, mas deslanchou apenas no segundo tempo da partida: 




Autor de um dos gols da seleção, Jair ganhava as manchetes dos jornais:




O goleiro do México era o lendário Carbajal que jogou cinco Copas do Mundo (1950, 54, 58, 62 e 66).




Pesquisando nos jornais da época, encontrei anúncios sobre os filmes dos jogos da Copa que eram exibidos nos cinemas.



25 de junho (domingo)

No dia seguinte, pelo grupo do Brasil, a Iugoslávia venceu a Suíça, 3 a 0, no Estádio Independência, em Belo Horizonte.



Essa manchete falava em cansaço dos suíços:



No mesmo dia, a Inglaterra venceu o Chile, por 2 a 0, no Maracanã. A Espanha passou pelos Estados Unidos, em Curitiba, por 3 a 1, como destacavam os jornais.



Os espanhóis viraram o jogo em cima da hora:



Ainda no dia 25 de junho, um grande jogo no Pacaembu. A Suécia venceu a Itália por 3 a 2.


A derrota dos italianos, os atuais bicampeões, foi destaque na imprensa e, essa reportagem de O Globo, citou a ajuda da arbitragem. 



Reportagens em filme dos quatro jogos do dia 24 de junho foram exibidas nos cinemas.




28 de junho (quarta-feira)

A segunda rodada do grupo do Brasil começou no dia 28 com a goleada da Iugoslávia sobre o México por 4 a 1, em Porto Alegre.


A seleção brasileira deixou o Rio de Janeiro e fez a segunda partida na Copa em São Paulo. O técnico Flávio Costa mudou a linha média formada pelos cariocas Eli, Danilo e Bigode e colocou um trio paulista: Bauer, Rui e Noronha. Depois do mau resultado contra a Suíça, o treinador foi acusado de promover alterações no time apenas para agradar ao público local.

"O técnico é o responsável sempre. Existia essa rivalidade Rio-São Paulo. Colocou os paulistas para agradar o público. Não. Eu coloquei os jogadores que eram formidáveis e que eu achava que tinham que jogar".
(entrevista de Flávio Costa a Thiago Uberreich em 1999)

BRASIL 2x2 SUÍÇA
Brasil: Barbosa; Augusto, Juvenal; Bauer, Rui, Noronha; Alfredo II, Maneca, Baltazar, Ademir, Friaça.
Suíça: Stuber; Neury, Bocquet; Lusenti, Egginemann, Quinche; Tamini, Bickel, Friedlander, Bader, Fatton.
Local: Pacaembu (São Paulo)
Árbitro: Ramón Azón (Espanha)
Gols: Alfredo, aos 2, Fatton 16, Baltazar 31 do 1º tempo; Fatton 43 do 2º.
Pagantes: 40.000



O empate deixou a torcida atônita e a imprensa não perdoou o técnico Flávio Costa pelo empate por 2 a 2. 

Abaixo, veja o texto do jornalista Mário Filho com críticas à falta de espírito de luta do time brasileiro.



Outro texto falava em "dura lição":




Capa de O Globo, um dia depois do empate no Pacaembu:



29 de junho (quinta-feira)

No dia seguinte ao jogo da seleção, a Espanha entrou em campo para enfrentar o Chile, no Maracanã, e venceu por 2 a 0.


Já a cidade de Belo Horizonte foi o palco de uma das maiores zebras da história do futebol. Em um resultado inacreditável, a Inglaterra perdeu para os Estados Unidos por 1 a 0. O gol foi marcado por um haitiano: Joe Gaetjens.



As manchetes exaltavam a surpresa no Estádio Independência, em Minas Gerais.




Carregado pelos colegas depois do gol, Joe Gaetjens desapareceu misteriosamente em 1964, provavelmente vítima da ditadura no Haiti.


Pelo grupo 3, Suécia e Paraguai ficaram no 2 a 2, em Curitiba.




01 de julho (sábado)

Depois do empate com o "ferrolho suíço", em São Paulo, a seleção brasileira voltou ao Maracanã e precisava vencer a Iugoslávia para garantir vaga na fase final da Copa. A grande novidade foi a estreia de Zizinho que estava machucado. O time de Flávio Costa fez uma boa apresentação e calou os críticos:

BRASIL 2x0 IUGOSLÁVIA
Brasil: Barbosa; Augusto, Juvenal; Bauer, Danilo, Bigode; Maneca, Zizinho, Ademir, Jair, Chico. Iugoslávia: Mrkusic; Horvath, Stankovic; Tchaikowsky I, Jovanovic, Djajic; Vukas, Mitic, Tomasevic, Bobek, Tchaikowsky II.
Local: Maracanã (Rio de Janeiro)
Árbitro: Mervyn Griffiths (País de Gales) Gols: Ademir, 3 do 1º tempo; Zizinho, 24 do 2º.
Pagantes: 142.000



Vendo trechos do filme da partida, duas imagens chamam a atenção. O jogador Mitic aparece com a cabeça enfaixada. Ele se cortou ao bater a cabeça em um lustre de um dos túneis do Maracanã. A outra imagem é a de um gol anulado da seleção brasileira por causa de um impedimento. 



02 de julho (domingo)

Pelo grupo do Brasil, a Suíça venceu o México por 2 a 1, em Porto Alegre.


No mesmo dia, no Maracanã, os ingleses perderam de novo, agora para a Espanha: 1 a 0. A "fúria" estava na fase final da Copa.


Na Ilha do Retiro, em Recife, o Chile goleou os Estados Unidos por 5 a 2.



A Itália passou pelo Paraguai com uma vitória por 2 a 0, em São Paulo.


A distribuição desigual das 13 seleções pelos grupos gerou críticas da imprensa na época. o Uruguai só fez um jogo na primeira fase. Goleou a Bolívia, 8 a 0, em Belo Horizonte e garantiu vaga no quadrangular decisivo. Schiaffino (2), Miguez (3), Ghiggia, Perez e Vidal fizeram os gols.


Nos cinemas, a torcida poderia acompanhar mais reportagens sobre os jogos da primeira fase.



A fase final da Copa do Mundo de 1950 teria Brasil, Suécia, Espanha e Uruguai. Em apenas sete dias, o futebol nacional foi do céu ao inferno.





FASE FINAL



O futebol brasileiro viveu dias de alegria, de emoção e de entusiasmo no início da fase final da Copa.


09 de julho (sábado)

A Suécia, primeira adversária do Brasil, tinha uma boa seleção. Foi campeã olímpica em Londres, em 1948.



Quem foi ao Maracanã viu um espetáculo. Ademir Menezes estava impossível. Só ele balançou as redes adversárias quatro vezes na goleada história por 7 a 1. Até hoje, é a maior vitória brasileira em uma Copa do Mundo.

BRASIL 7x1 SUÉCIA
Brasil: Barbosa; Augusto, Juvenal; Bauer, Danilo, Bigode; Maneca, Zizinho, Ademir, Jair, Chico.
Suécia: Svensson; Samuelsson, Erik Nilsson; Andersson, Nordahl, Gaerd; Sundqvist, Palmer, Jepsson, Skoglund, Stellan Nilsson.
Local: Maracanã (Rio de Janeiro) Árbitro: Arthur Ellis (Inglaterra) Gols: Ademir 6 e 36, Chico 39 do 1º tempo; Ademir 6 e 12, Andersson (pen.) 31, Maneca 40, Chico 43 do 2º.
Pagantes: 139.000


Simultaneamente, Uruguai e Espanha se enfrentaram no Pacaembu e empataram por 2 a 2. 




O Brasil era o líder da fase decisiva com um amplo saldo de gols.

Os cinemas exibiam os filmes das duas partidas:




Polêmica: a troca de concentração pela seleção nacional

Inúmeras fontes e os próprios jogadores da seleção sempre mencionaram que durante a Copa a seleção brasileira trocou de concentração. Essa é uma questão cercada de polêmica. Os jogadores se habituaram a culpar a mudança como uma das responsáveis pela derrota contra o Uruguai. A seleção estava na Barra da Tijuca. Essa foto mostra a Casa dos Arcos, no Joá. Um local tranquilo e longe da torcida e da imprensa. 




"Nos estávamos acampados em uma casa. Na semana do campeonato nós fomos para o campo do Vasco, em São Januário. É uma forma de procurar motivos para a derrota ao atribuir a derrota à troca de concentração". 
(Flávio Costa ao autor/1999)

"Nenhum jornalista tinha carro em 1950. Nós estávamos em lugar tranquilo. Quando mudou para São Januário foi uma desconcentração total. Virou um circo".
(Zizinho. Entrevista ao autor/1999)

Uma outra polêmica: em que momento se deu a troca de concentração? Inúmeras fontes e os jogadores, talvez para culpar ainda mais a mudança pela derrota, indicam que a comissão técnica foi para São Januário às vésperas do jogo contra o Uruguai. Mas o jornalista Paulo Perdigão, testemunha desse mundial, escreve em Anatomia de uma derrota que a troca de concentração se deu entre as partidas contra a Suécia e Espanha. Até hoje não se sabe como se deu a ordem para mudar o local onde a seleção estava instalada. Vale lembrar ainda que era ano eleitoral. Os políticos entravam e saíam de São Januário.

13 de julho (quinta)

Quem foi ao Maracanã assistir ao duelo contra os espanhóis viu um espetáculo. Um jornal do exterior chegou a comparar o futebol apresentado por Zizinho a uma pintura de Leonardo da Vinci. A atuação dele foi magistral. O próprio jogador dizia que fez a melhor exibição da vida dele naquela partida. Mais uma chuva de gols:

BRASIL 6x1 ESPANHA
Brasil: Barbosa; Augusto, Juvenal; Bauer, Danilo, Bigode; Friaça, Zizinho, Ademir, Jair, Chico. Espanha: Ramallets; Alonso, Gonzalvo II; Gonzalvo III, Parra, Puchades; Basora, Igoa, Zarra, Panizo, Gainza.
Local: Maracanã (Rio de Janeiro)
Árbitro: Reg Leafe (Inglaterra) Gols: Ademir 13, Jair 18, Chico 31 do 1º tempo; Chico 11, Ademir 12, Zizinho 22, Igoa 26 do 2º.
Pagantes: 153.000

As capas dos jornais exaltavam a exibição de gala. Ninguém tinha dúvidas de que a seleção seria campeã.



Os torcedores deram um show no Maracanã. Com lenços brancos nas mãos, os brasileiros cantavam a marchinha de carnaval "Touradas em Madrid", de Braguinha.



Duas goleadas na sequência: 7 a 1 e 6 a 1! O entusiasmo também tomou conta da imprensa:




Os artigos destacavam que a seleção brasileira era imbatível, tamanho o futebol que estava jogando.




Abaixo: texto do jornalista Mário Filho.



Capa do jornal O Globo:




Ainda no dia 13 de junho, o Uruguai venceu a Suécia por 3 a 2 e ainda estava na disputa pelo título.




16 de julho (domingo)

O 16 de julho entrou para a história do futebol como um dia fatídico. A seleção tinha um ponto a mais do que o Uruguai na fase final e seria campeão com um empate.

Os jornais chegavam às bancas com manchetes otimistas:


A confiança era tanta que uma publicação trouxe a foto do time brasileiro já com a manchete de "campeões mundiais". O jornal "O Mundo" era dirigido pelo jornalista Geraldo Rocha:


Instalados no hotel Paysandu, os uruguaios ficaram revoltados com a manchete. O capitão Obdúlio Varela comprou alguns exemplares do jornal e colocou as páginas no chão dos banheiros usados pela celeste e disse: "urinem no jornal". 




O técnico Flávio Costa se mostrava confiante: 



Como vimos, os jogadores diziam que a troca de concentração prejudicou o sono dos jogadores. Dirigentes e empresários iam a São Januário e prometiam casa, carro e eletrodomésticos se vencessem a Copa. Os políticos aproveitavam para fazer campanha ao lado da seleção:




Os jogadores eram obrigados a ouvir discursos de candidatos como Cristiano Machado e Ademar de Barros. Mas não eram só os políticos que apareciam na concentração:

"Às sete horas da manhã tivemos que sair da cama para ouvir uma missa celebrada por um padre em homenagem aos futuros campeões do mundo da tarde".
(Bauer, entrevista ao autor em 1999)

O duelo contra o Uruguai fez com que milhares de torcedores de inúmeras partes do Brasil fossem para o Rio de Janeiro, mesmo sem ingresso nas mãos. As filas nas catracas chegavam a mais de um quilômetro. Os números da Fifa apontam que 173.830 torcedores estiveram aquele dia no estádio. Mas, dados não oficiais, apontam para um público de 200 mil a 220 mil espectadores (a cidade do Rio tinha 2 milhões de habitantes). É bom lembrar que as catracas foram arrombadas. A segurança não conseguiu conter a multidão.



URUGUAI 2x1 BRASIL
Brasil: Barbosa; Augusto, Juvenal; Bauer, Danilo, Bigode; Friaça, Zizinho, Ademir, Jair, Chico. Uruguai: Maspoli; Matias Gonzalez, Tejera; Gambetta, Obdulio Varela, Andrade; Ghiggia, Julio Perez, Miguez, Schiaffino, Moran.
Local: Maracanã (Rio de Janeiro) Árbitro: George Reader (Inglaterra) Gol: Friaça 2, Schiaffino 26, Ghiggia 36 do 2º tempo.
Pagantes: 173.000

A seleção brasileira não repetiu contra o Uruguai o futebol das duas últimas as apresentações. Parecia desconcentrada. O Uruguai era um time aguerrido e de muita raça. O primeiro  tempo terminou empatado: 0 a 0. Na etapa final, Friaça abriu o placar aos 2 minutos. O time nacional falhava na marcação pela esquerda, responsabilidade de Bigode. Aos 26, Schiaffino chutou de fora da área e venceu Barbosa. 

"Esse gol de empate liquidou com o Brasil. O público, cerca de duzentas mil pessoas no Maracanã, ficou mudo."
(Flávio Cota. Entrevista ao autor em 1999)

36 do segundo tempo, ou 4 horas e 39 minutos da tarde de 16 de julho de 1950. Alcides Ghiggia caminha pela esquerda e chuta mascado. O goleiro Barbosa é pego no contrapé. Tenta voltar, mas a bola entra entre ele e a trave esquerda, no canto.

"Ele chutou ou dando um efeito natural ou porque pegou mal. A bola veio com muita velocidade. O Barbosa teve ela nas mãos, mas escapou veio com muito efeito, escapou e foi para dentro do gol."
(Flávio Costa)

A torcida no Maracanã não acreditava. Estava em silêncio. Apesar de alguns lances de perigo em favor do Brasil, o placar não mudou mais: 2 a 1. Apenas os gritos dos uruguaios ecoavam. A multidão demorou para deixar o estádio. O barulho dos sapatos era ouvido nas rampas do maior estádio do mundo. 

A capa dos jornais do dia seguinte expressava a desolação:


O técnico Flávio Costa tentava amenizar:


Os jogadores brasileiros estavam atônitos. O meia Zizinho dizia não lembrar como chegou em casa naquele dia. Abaixo, uma foto histórica de Danilo, amparado por um radialista:






Abaixo: capa do Estadão:



Aqui, a Folha da Manhã:


Já no Pacaembu, no mesmo horário de Brasil e Uruguai, a Suécia venceu a Espanha e ficou com a terceira colocação:



A derrota da seleção para o Uruguai é contada de geração para geração, como destacamos no começo desse trabalho. A história da Copa perdida se encarregou de crucificar o goleiro Barbosa. Ele foi acusado de falhar no gol decisivo. O ex-jogador, que marcou época no Vasco, costumava dizer que a pena máxima no Brasil é de 30 anos. Ele reclamava que já tinham se passado quase 50 e continuava sendo execrado. Barbosa morreu em 2000, antes da derrota brasileira completar 50 anos. Amargurado e vivendo de favor na Praia Grande, litoral paulista, o goleiro não queria mais falar sobre a Copa:

"Eu não falo mais e nem discuto sobre Copa do Mundo. Copa do Mundo para mim morreu. É uma nuvem que passou e fim de papo. Acabou. Não interessa mais. Eu não vou revolver cinzas!"
(Barbosa. Entrevista ao autor em 1999) 


O lateral Bigode foi acusado de amarelar naquela decisão. Em um determinado lance, ele entrou com tudo em Obdulio Varela. O uruguaio pediu calma ao atleta brasileiro e fez um "afago" com a mão na cara de Bigode. Quem viu a jogada garante que Bigode levou um tapa do capitão uruguai e, depois, teria sumido da partida.

"Se eu tivesse levado um tapa, eu revidaria na hora"
(Entrevista de Bigode ao autor em 1998)


Os jornais seguiam especulando sobre as causas da derrota brasileira.



Essa nota de O Globo traz a informação sobre a morte de um sargento:



O presidente da Fifa, Jules Rimet, desceu das tribunas do Maracanã em direção ao gramado para entregar a taça aos campeões mundiais. A partida ainda estava empatada. Quando chegou ao gramado, o Uruguai já tinha feito o segundo gol. O dirigente francês não escondeu o abatimento ao entregar o troféu ao capitão Obdulio Varela. Aliás, desde 1946, a taça já levava o nome de Jules Rimet, uma homenagem ao homem que tanto se empenhou pela Copa do Mundo.


Apesar do resultado negativo dentro de campo para o Brasil, a Copa de 1950 foi um sucesso de renda e público. 




- "Apenas três pessoas calaram o Maracanã: Frank Sinatra, o Papa e eu"
(Alcides Ghiggia)

Quis o destino que o autor do segundo gol do Uruguai morresse em um dia 16 de julho. Foi em 2015, 65 anos depois do duelo contra o Brasil. Dos 22 jogadores que participaram do jogo, ele era o último que ainda estava vivo. Em 1998, trabalhando na Rádio Eldorado, fiz uma entrevista, por telefone, com o carrasco uruguaio. Ele resumiu o jogo da seguinte maneira: "Não se trata de buscar culpados. Nem Barbosa, nem Bigode. No futebol, ganham os 11 e perdem os 11".


TABELA COPA 1950

GRUPO 1

24/06/1950 Rio de Janeiro: Brasil 4 x 0 México
25/06/1950 Belo Horizonte: Iugoslávia 3 x 0 Suíça
28/06/1950 São Paulo: Brasil 2 x 2 Suíça
28/06/1950 Porto Alegre: Iugoslávia 4 x 1 México
01/07/1950 Rio de Janeiro: Brasil 2 x 0 Iugoslávia
02/07/1950 Porto Alegre: Suíça 2 x 1 México

GRUPO 2

25/06/1950 Rio de Janeiro: Inglaterra 2 x 0 Chile
25/06/1950 Curitiba: Espanha 3 x 1 EUA
29/06/1950 Rio de Janeiro: Espanha 2 x 0 Chile
29/06/1950 Belo Horizonte: EUA 1 x 0 Inglaterra
02/07/1950 Rio de Janeiro: Espanha 1 x 0 Inglaterra
02/07/1950 Recife: Chile 5 x 2 EUA

GRUPO 3

25/06/1950 São Paulo: Suécia 3 x 2 Itália
29/06/1950 Curitiba: Suécia 2 x 2 Paraguai
02/07/1950 São Paulo: Itália 2 x 0 Paraguai


GRUPO 4

02/07/1950 Belo Horizonte: Uruguai 8 x 0 Bolívia

FASE FINAL

09/07/1950 Rio de Janeiro: Brasil 7 x 1 Suécia
09/07/1950 São Paulo: Uruguai 2 x 2 Espanha
13/07/1950 São Paulo: Uruguai 3 x 2 Suécia
13/07/1950 Rio de Janeiro: Brasil 6 x 1 Espanha
16/07/1950 São Paulo: Suécia 3 x 1 Espanha
16/07/1950 Rio de Janeiro: Brasil 1 x 2 Uruguai


Fontes consultadas: 




- Acervo dos jornais Folha da ManhãO Estado de S.Paulo, Gazeta Esportiva Ilustrado e Jornal dos Sports e O Globo (1950);

- Livros: O Jogo Bruto das Copas do Mundo (Teixeira Heizer) , Todas as Copas do Mundo (Orlando Duarte) e Anatomia de uma derrota (Paulo Perdigão);

O AUTOR





Thiago Uberreich é formado em Jornalismo pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1999). Começou a carreira, em 1996, na Rádio Eldorado de São Paulo (atual Estadão).  Passou pelas funções de redação, edição, reportagem e apresentação.

Em 2005, recebeu convite para integrar a equipe de reportagem da Jovem Pan. Participou de inúmeras coberturas e atuou como setorista no Palácio dos Bandeirantes. Desde março de 2016, apresenta o Jornal da Manhã (6hs às 10hs).

Apaixonado por futebol e história das Copas do Mundo, gosta de elaborar séries especiais.

Em 2010, venceu o prêmio Embratel, categoria Reportagem Esportiva, com a série Histórias das Copas, veiculada nos meses que antecederam o mundial na África do Sul.  Em 2011, levou ao ar a série "Vozes do Tri", sobre a conquista da Copa de 70. Em 2012, fez a série "50 anos do bi". Em 2015, produziu "A Copa que nunca acabou", sobre o mundial de 1950. Em 2016, conseguiu reunir os áudios na íntegra dos seis jogos da seleção brasileira em 50. Possui um dos maiores acervos pessoais de vídeos de futebol do país. São 4 mil horas de gravação (2 mil DVDs).

Críticas, sugestões ou correções: tuberreich@gmail.com